domingo, 22 de março de 2009

Algumas discussões sobre a Ciência e o Ensino de Ciências - parte 1

É importante que se pense a Ciência ou a organização do mundo, segundo a visão científica, como uma criação da Modernidade. Em outras épocas, como na Antigüidade, o ser humano percebia a si e ao mundo de forma integrada, ou seja, Homem e Natureza constituíam uma totalidade. Nesta época as explicações sobre os fenômenos naturais incluíam idéias empíricas, gerais, místicas, crenças, etc. Entretanto, na Renascença, o homem europeu reduzido a inquietante solidão metafísica e envolto pela subserviência a Deus, procurou refazer sua vida histórica, principalmente na busca da sua dignidade humana. Nesta época, pode-se dizer que o ser humano rompe com a Natureza e procura explicá-la segundo a sua Razão, para dominar e controlá-la. A ciência moderna surge neste contexto, no século XVI e teve entre diversas e importantes implicações a de retirar o conceito de natureza das mãos dos filósofos e teólogos. Os “verdadeiros proprietários” responsáveis pela determinação do que é natureza seriam aqueles que tomam os fenômenos como possíveis de serem investigados através do uso da matemática e da experimentação (Videira, 2004). Segundo Santos (1996), desde a revolução científica do século XVI vive-se sob a égide de um modelo hegemônico de conhecimento, o da racionalidade científica. O modelo mecanicista nega o caráter racional das outras formas de conhecimento, que não se fundarem nos seus princípios epistemológicos e suas regras metodológicas. Nesta perspectiva, as idéias advindas da experiência imediata são duvidosas, em oposição, as idéias matemáticas que fornecem não só o instrumento privilegiado de análise, como também, a lógica da investigação e o modelo de representação da Natureza. Ainda nesta época, a nova definição de natureza e ciência implicou no abandono de ser capaz de constituir uma totalidade, organizada a partir de um princípio existente no interior dos corpos, ou seja, a matematização da natureza fez com que a mesma “perdesse” sua capacidade de integrar, numa mesma totalidade, os fenômenos naturais.

Em conseqüência, ainda hoje, conhecer significa quantificar, seguir o rigor científico aferido no rigor das medições; além disso, conhecer também significa dividir e classificar para se deduzir as “leis da Natureza”, que, por serem simples e regulares, são passíveis de observação e medições rigorosas. Para a ciência moderna a experimentação procura determinar se os processos naturais podem ser explicados através de certas hipóteses. A experiência é uma interrogação feita à natureza a partir de certos princípios, postulados como verdadeiros, os quais possuem a função de atribuir à natureza uma ordem enunciada com o auxílio da matemática. Esta ordem é, antes de ser atribuída à natureza, formulada teoricamente e testada em laboratório.

O racionalismo cartesiano e o empirismo baconiano aplicados às ciências naturais, dos séculos XVI e XVII em diante, vão nortear o que na modernidade será considerado ou não científico. O positivismo do século XIX teve origem na aplicação desse paradigma nas ciências sociais, como também, a visão de Ciência denominada empirismo-lógico, que, resumidamente caracteriza-se por apresentar uma “tendência reducionista astrolábioe cumulativa”, um “formalismo metodológico” e um “enfoque naturalista” (Wortmann, 1992).

Diferentemente da ciência grega ou mesmo medieval, a ciência  moderna só pode ser compreendida se não separarmos o pensamento teórico e a atividade técnica. A técnica no período circunscrito pela ciência moderna, não se origina somente de um aprimoramento de instrumentos já existentes. Ela igualmente pressupõe a existência de uma estrutura conceitual, que guiará a criação de novas técnicas e novos instrumentos. A invenção de uma nova técnica respeita certos preceitos teóricos, podendo acontecer também que certa técnica dê oportunidade para o desenvolvimento de uma nova experimentação teórica.

Referências:

Santos, B.S. Um discurso sobre as Ciências. 8. ed Porto: Afrontamento, 1996

Videira, A. L. L. Natureza e ciência moderna. Ciência e Ambiente, v. 28. Santa Maria: UFSM, 2004. p. 121-134.

Wortmann, M.L.C. Os programas de ensino de ciências no Rio Grande do Sul. Educação e Realidade, 17 (1), Porto Alegre: UFRGS, 1992. p. 33-47.

Observação:

1. Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt e Profª. Nádia Geisa Silveira de Souza (FACED/UFRGS) para as disciplinas de Introdução à Prática de Ensino em Ciências e Instrumentação para o Ensino de Ciências e Biologia

2. Imagem retirada de: www.portaldoastronomo.org/tema8.php

5 comentários:

Alcione Torres disse...

Essa vontade das ciências naturais de serem as donas da verdade por acreditarem que, para se fazer ciência é imprescindível que se tenha rigor matemático e total imparcialidade, já não dá mais para sustentar.
Sabemos que todo processo humano é carregado da "humanidade" do sujeito que o executa. Nenhum experimento em laboratório é totalmente imparcial. É graças à intereferência humana (mesmo que não intencional) que os resultados dos experimentos podem se transformar em conhecimentos válidos (conforme as exigências do campo) e aceitos no meio científico.
Também não é possível descartar um fator mais que humano e que ajuda tanto a produzir conhecimentos científicos: a intuição. É através dela que alguns cientistas, muitas vezes, conseguem chegar a lugares que outros não chegaram. Pesquisadores com o mesmo material e aparato tecnológico em mãos podem chegar a conclusões diferentes ou até complementares, graças ao caminho que cada um resolveu seguir.
É por essas e outras constatações que, a cada dia, as ciêncais humanas estão conseguindo se impor ao mostrar que seus métodos têm validade e não se pode descartá-los pelo simples fato de que o elemento humano tão próximo do pesquisador o afaste de resultados significativos.

Ana de Medeiros Arnt disse...

É, mas ainda hoje essa discussão espanta muitos... Falar em ciência imparcial é ser taxado de relativista. Nas aulas da faculdade isso ainda não é tranquilo de ser discutido com os alunos!

Alcione Torres disse...

Mas não se trata de relativismo e sim de humanismo. Essas pessoas precisam entender isso! Não dá para simplesmente fechar os olhos e fazer de conta que não existe o fator humano numa pesquisa das Ciências tidas como hard.

Alan Dantas - Num disse...

Neste semestre estou cursando duas disciplinas em que discutimos muito a concepção de ciência e suas implicações na sociedade.
O que mais me frustra é que parece que a ciência lutou por muitos anos para tirar da igreja a "hegemonia" do conhecimento no intuito de democratizá-lo e o que vemos é que ela (a ciência)toma para si o mesmo papel da igreja de outrora: interpretada como a detentora do saber absoluto e irrefutável. Para mim ciência não é isso, se ciência NÃO for irrefutável e passível de questionamento estaremos desempregados em breve.

Alcione Torres disse...

Mas a própria história mostra que ela não é. Fazer de conta que não vê isso é tornar-se cada vez mais afastado do que realmente é Ciência, um suicídio acadêmico. Cientistas que continuarem com essa ideia serão substituídos por outros mais coerentes (previsão minha! hehehehe).